quarta-feira, 27 de junho de 2012

Virou todo Mundo Japonês (ou o volátil simbolismo das cores)!


O negócio, as cores, a tradição.

Há, dentro de mim, um ser apaixonado pelas tradições, inclusive (ou principalmente) pelas do futebol. E há, na contemporaneidade, duas delas que, a meu ver, têm sido paulatinamente desrespeitadas: falo das cores estampadas nos uniformes dos clubes e das seleções.



Demorou um tanto até que eu me acostumasse àquela camisa branca do Flamengo que ganhei de meu pai, logo após a conquista do Mundial Interclubes, em 81. Eu era muito menino, e nem o desfile de Zico em Tóquio, trajando o clássico branco de mangas longas, fez com que meu imaginário deixasse de enxergar o Flamengo em puro vermelho e preto.

Dali a 10 anos, a Umbro substituiria a Adidas no fornecimento de material esportivo, implantando, a reboque dos ditames neoliberais da época, um marketing voltado para a “diversificação” das camisas do Fla – afinal, para que vender apenas um modelo quando se pode lucrar mais com dois, três, quatro ou cinco deles? Para que esperar por tantas temporadas, se podemos lançar “um manto novo” a cada ano, ora bolas? A tradição que dê passagem ao “moderno”!

A primeira dessas inovações, em meados dos anos 90, nem chegou a passar pelo conselho da Gávea, deixando para a posteridade uma camisa com complexa mistura de cores que, a muito custo, permitia ao apaixonado torcedor identificar a lúdica combinação rubro-negra numa nesga de pano do manto promocional. Não a usaram, mas venderam-na.

Ainda que a contragosto, não me arrependo de tê-la comprado; tornou-se um objeto simbólico de recordação do fim da Era Romântica do futebol brasileiro. Mesmo sendo feia a camisa, tornou-se bela quando comparada, por exemplo, a lançamentos futuros como a Tabajara Futebol Clube, da Olympikus, que tanto envergonhou aos flamenguistas, como fez a alegria das demais torcidas.

Enquanto envelheço, o futebol teima em se modernizar.

A própria Umbro se tornaria a responsável por um inesquecível estilo rococó em nossa seleção canarinho. Coube à geração do tetra ostentar uma camisa poluída e descaracterizada em campos ianques. Bizarrice semelhante à da Nike que, poucos anos mais tarde, se tornaria a responsável pela indumentária futuro-patética, de cores e traços aberrantes, exibida no penta oriental.

De lá para cá, perdeu-se o respeito aos clubes, às suas cores e às suas tradições, e toda sorte de “criação” foi sendo promovida pelos fabricantes, sem a menor cerimônia, e sempre em nome daquilo que é necessariamente “novo” e que esteja adaptado às nova$ regra$ do mercado.

E assim, sem maiores esforços, surgiram times-vagalume (como o reluzente Palmeiras), times-bebê menina (como a rósea Juventus de Turim) ou bebê menino (como o azulado Santos, o roxo Corinthians) e até times-bandeira (como a criativa inovação do Goiás, nesta Copa do Brasil). Ou times-multicoloridos (como a maioria dos times europeus, que a cada temporada se exibem com cores que só na certeza dos patrocinadores tem alguma ligação com o clube e sua história). Daí a vermos, um dia, o Barça de verde-turquesa, e no outro, de azul-polar-brilhante. O Real Madrid, ora branco, agora pode ser também visto trajando o preto, o roxo e até o vermelho – tá tudo no pacote de inovação dos tempos modernos.

Mas como dizia um vibrante oficial dos tempos da caserna, nada está tão ruim a ponto de não poder piorar ainda mais – lembranças ao Marin, aliás! E nesta onda multicolorida, vem de lá dona FIFA, sabichona que é e interessada no bom andamento do espetáculo, para impor a nova ordem do futebol mundial: a de seleções monocromáticas!

Tente o desavisado leitor acertar o nome das seleções envolvidas em praticamente todos os jogos dessa primeira fase da Euro 2012, apenas pela imagem das equipes em campo, e teremos uma constatação estarrecedora: virou todo mundo japonês!

Não há mais fatores nacionais explícitos que identifiquem quem está em campo, pois as exigências bur(r)ocráticas da senhora que manda no futebol exige diferenciação máxima entre os oponentes, condenando o pobre espectador a um eterno embate entre azuis, vermelhos ou brancos, em uniformes monocromáticos e padronizados naquilo que deveria, por essência, ser genuíno, dado ser este o adequado instrumento para enaltecer nossas diferenças enquanto Cultura e Nação.

Já não bastava ter de ver o Brasil em campo descaracterizado pelas camisas horrendas impostas pela fornecedora (lembram da camisa “bola de bilhar”? E daquela com traço de subtração ao peito?), ou de ter de assimilar os meiões azuis e os calções brancos que mandam à cucuia nosso simbolismo, e agora somos obrigados a assistir a uma partida como se estivéssemos jogando videogame, num eterno embate entre sempre as mesmas cores? Quem está em campo? Portugal? Rússia? Inglaterra? Espanha? Polônia? Suíça? República Tcheca? Ah, tanto faz: é tudo da mesma cor!

No caso dos clubes, parece claro que a questão financeira se sobrepõe à tradição. Já no caso das seleções, não consigo entender qual o ganho da FIFA em descaracterizar seus principais personagens, confundindo seus fãs ao esvaziar identidades históricas num estúpido e empobrecedor embate bicolor. Quanto enfado!

 foto: joão sassi  feira do guará. brasília-df



6 comentários:

  1. Adorei este Sassi, logo no começo ja me veio a mente aquela camisa canetinha marca texto do palmeiras e a roxa com laranja do Internacional...

    Alô Alô W Brasil.

    É sempre a economia né? Se não a do mundo pintada de verde, a do futebol, pintada de patrocinadores....

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    1. Pois é, Samantha, já imaginou um Porco de azul jogando contra um Gambá de Roxo? Acho triste tamanha descaracterização... Tá certo o Jorge Ben: "Alô, alô, W-Brasil!!!"

      Valeu, mesmo! Abraço forte!

      El D.T.

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  2. É cada dia mais e mais vemos isso nos gramados...!! As camisas dos times cada vez mais mudadas!! E o futebol se "modernizando" mais e mais. Não sei bem como era o futebol antigamente pois, só tenho 14 anos, e só conheço mais esse "novo" futebol apresentado! Mas, concerteza gostaria muito mais do futebol tradição onde as cores dos clubes eram estampadas nas camisas! Não esse carnaval de cores... o azul por exemplo já está virando moda de camisa... O santos tem uma, o vasco .. e até o flamengo já teve também!! Ainda bem que o meu time o Fluminense não tem se distanciado tanto das 3 cores que tradução a tradição...!! Ou as blusas são verdes, brancas ou vermelhas,ou misturadas! Pelo menos as que eu vi foram assim..!! Gostei muito do texto, parabéns..! bjs

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    1. Apegar-se ao belo hino tricolor já é uma bela maneira de começar a compreender a importância das cores e da tradição em um clube, Amanda.

      Esse "novo" futebol que você está tendo a oportunidade de conhecer, apenas em alguns detalhes se assemelha ao esporte que por mais de um século nos serviu de símbolo e orgulho cultural. Hoje, ainda que mexa com nossos sentimentos, sua importância é cada vez mais econômica e cada vez menos social, distante do sentido que um dia já teve - o que se revela na (des)importância dos uniformes tradicionais.

      Valeu pela presença!

      Um abraço del D.T.

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  3. Meu caro,

    Belo texto, mas não se desespere tudo faz parte do novo futebol que vemos por aí. Como se isso que estamos vendo fosse futebol.

    A jovem aí de cima, Amanda, só posso dizer, com tristeza, que devido a sua tenra idade, você não viu e pelo andar da carruagem nunca mais vai ver futebol.

    Isso que você aprendeu, nada tem a ver com futebol. Visto que o texto do nobre blogueiro fala da Eurocopa e eu me pergunto:

    "Quando foi que estivemos preocupados ou ao menos interessados em ver esse torneio?"

    Sim meus caros, isso não é fruto da interatividade ou dos novos recursos da comunicação. Isso é consequência do péssimo futebol que se joga em terras tupiniquins. Ou você realmente acha que Neymar é craque? No máximo um bom jogadro com lampejos de excelente. Não podia ser diferente, pois no meio de tantos cabeças de bagre cegos, quem tem um olho é rei.

    As cores das camisas nada mais são do que a tentativa de manter vivo esse negócio que chamam de futebol.

    Saudações.

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    1. Futebolzinho mequetrefe, o tal brasileiro. Qualquer zé ruela vira camisa 10; uma coisa inacreditável...

      Não sei quem sofre mais: a geração atual ou as anteriores. Quem tem mais de 30, viu, viveu e sentiu uma coisa; já quem nasceu de meados dos anos 80 para cá, vive uma outra realidade, totalmente voltada às regras do Mercado, indiferente à sensibilidade do torcedor.

      E nós, coitados e velhotes torcedores, vivemos agora condenados a adorar algo que já não existe.

      Grande abraço,

      El D.T.

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