terça-feira, 11 de setembro de 2012

Só se fala na Camisa Amarela da Seleção Brasileira!

Cabisbaixo torcedor brasileiro: cada vez mais escanteado.

                       
Não, eu não assisti aos 8x0 contra os chineses.  E não é que tenha me dado sono; eu dormi porque quis. Optei por esta saída honrosa logo após o segundo gol, com Neymar deslizando como uma libélula pela área, sem qualquer marcação; ali, estava claro que seria uma pelada sem qualquer qualificação que nunca poderia ser chamada de amistoso internacional. Um total desrespeito ao torcedor e aos fãs do esporte, em geral.

Obviamente, o título deste texto é enganoso; mero estratagema para cooptar leitores incautos. Afinal, todos estamos cientes do desencanto generalizado pela equipe canarinho. Mas, já que chegamos até aqui, é da Seleção que vou tratar.

Pois bem, a Seleção morreu. Não existe mais.

O que temos hoje em dia, dirigido pela Nike, achincalhado pelos árabes e explorado pela TV Globo, é o Time da CBF: a mais bem sucedida multinacional brasileira - chupa, Petrobrás! -, atuante em todos os continentes conhecidos e reconhecidamente a mais vitoriosa empresa no ramo de acúmulo capital de Copas do Mundo (notem que há um trocadilho sutil nesta última oração).

Bem sucedida porque produz milhões de dólares e beneficia a algumas poucas almas enlevadas (“Mr. Teixeeeeeira!”) por meio da privatização de um bem público, ainda que imaterial: o amor do povo brasileiro pela sua seleção de futebol.

Utilizam o hino nacional brasileiro, a bandeira verde-amarela e o sentimento de toda a Nação Brasil para vender, mundo afora, um produto plastificado como se fosse matéria-prima original, genuinamente tupiniquim. Aliás, esta é a única alternativa para o Time da CBF; explorar mercados externos em alta, como Qatar, China ou mesmo Gabão, porque por estas bandas a batata está assando legal.

Por inúmeras razões – e, verdadeiramente, não sei se cabe aqui enumerá-las – esse sentimento de que a Seleção representava a Nação está perdendo seu apelo e se transformando numa forçação de barra deslavada. O tal do “Brasil-sil-sil” já não ecoa em nosso coração como dantes ecoava; já não há reverberação. Mas simplesmente uma nostalgia, uma vontade de que as coisas engrenem, com o Brasil dando show, sambando com a bola no pé e mostrando como é que é. Mas não...

Desde 1989, quando o genro de João Havelange assumiu o comando da birosca, a conexão entre o torcedor brasileiro e a Seleção Brasileira foi se perdendo, perdendo, perdendo... E se perdeu a tal ponto que o agrupamento de atletas que representa a CBF nos gramados não mais merece o epíteto gentílico, posto que a sociedade brasileira demonstrasse crescentes dificuldades em se enxergar representada por uma instituição privada comercial – e, de fato, a Seleção, historicamente, sempre nos representara, e muito bem. Naqueles tempos de outrora, a pátria se calçava em chuteiras – sofria-se muito pelos jogadores! – mas e agora? Somos “nós” que estamos em campo?

Sentimo-nos representados pelo astro que chega ao estádio enaltecendo o próprio ego, ao divulgar músicas em sua homenagem por meio de modernas caixinhas sonoras, como fez Neymar, no último Dia da Independência? Como se sentem aqueles que viram Sócrates fazer de cada partida um ato cívico e político da maior importância, ao ter, agora, de abraçar uma geração tão hedonista e ególatra? Uma geração para a qual o slogan DEUS É FIEL tem muito mais legitimidade e relevância que a palavra DEMOCRACIA escrita na faixa da cabeça.

Não vou aborrecê-los com cifras de contratos, lucros, furtos ou desvios, mas é de conhecimento público que eles só se acumulam, desde então. Assim como nosso prestígio! Sim, ganhamos ... Quer dizer, a CBF ganhou duas Copas e outras tantas copetas, aumentando sobremaneira e ratificando o status vencedor de nossa confederação ante as demais adversárias. Um sucesso! (Só o México não reconhece nossa grandeza...)

Mas tudo isso foi obtido graças à depauperação da seleção enquanto símbolo cultural. Tal como o Maracanã, os craques de camisa dourada representavam um “ícone do esporte mais praticado no mundo, elemento de identidade cultural brasileira quase tão importante quanto a própria Língua Portuguesa e o samba.” *Disso, passaram à condição de pop star. Sequer pestanejaram, os rapazotes.

A omissão antropológica pode custar muito caro à nababesca Confederação Brasileira de Futebol, uma vez que é galopante o desinteresse nacional por esta tropa de soldadinhos obedientes que trajam feias e frágeis indumentárias que lhes trazem desprestígio e ridículo aos olhos da comunidade mundial.

A cena da camisa “padrão NIKE” se desfazendo em pleno ar, como se feita pelo mais inábil falsificador fosse, expõe uma metáfora trágica em relação ao orgulho que sentíamos em agitar uma bandeira brasileira em dias de jogo do Brasil: ele hoje não existe. Assim como a camisa, símbolo maior de uma seleção, nosso orgulho se desfaz cotidianamente, dentro e fora de campo, em vergonha e constrangimento.

 *A definição eu emprestei do jornalista Carlos Tautz, que hoje publicou “A Morte do Maracanã”.

foto de joão sassi
campão do varjão - d.f.





11 comentários:

  1. Milton Neves é uma besta, mas repete uma frase que adoro: o futebol é a coisa mais importante das menos importantes. Às vezes, inspirado por Raul Seixas, dá vontade de radicalizar e dizer: futebol, seleção, cbf, uniforme, nike, copa do mundo ... acho tudo isso um saco! O Borogodó é um sítio de cultura, esporte e lazer, não só de futebol, ou me engano?

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    1. Grande Márcio, há muitas formas de se responder a este seu questionamento. A frase que o Milton repete é de um jornalista inglês, cujo nome me escapa, e não do italiano Arrigo Sacchi, como diz a internet.

      Falando em italiano, para Pasolini, "o futebol era o terreno em que se dava ainda o grande teatro e o rito da presença, expondo ao vivo, em corpo e espírito, um largo espectro da escala humana." O argentino Juan Sobreli odeia futebol, e um de seus argumentos é que "ele faz da insignificância de seu conteúdo a coisa mais importante que acontece a milhões de seres humanos e a única coisa que dá sentido a suas vidas vazias".

      Enfim, acho que o Borogodó trata disso aí!

      Abraço,

      El D.T.

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  2. Grande João,

    oportuno seu pensamento para somatização do meu, em que concordo contigo. A seleção canarinho está vendida! E na figura do astro garoto prodígio, de inumerosas propagandas... Não estão hora nenhuma preocupados com o sucesso do esforço pessoal e futebolístico elogiáveis. Estão sim dispostos a mandar recadinhos para as câmeras, serem fotografados com suas cabeleiras, fazendo gols em michas seleções, e chupando os seus dedões. Pobre de nós torcedores brasileiros que vemos isso acontecer! Pobre de nós...

    Um abraço, e vamos em busca do futebol.

    Édio.

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    1. Salve, Tricolor! Eu vejo que se criou um hiato geracional pelo qual o bom senso escorreu. Sei que há diferença de valores entre o hoje e o ontem, mas deveria haver também o mínimo de contato com o mundo exterior por parte dessa garotada que adora uma firula e uma dancinha, mas não: são crianças mimadas; só podiam mesmo ficar chupando dedo.

      Abração deste D.T

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  3. Beleza: então mais Pasolini e Sobreli e menos Ricardo Teixeira e Nike! Exemplo: certa vez presenciei aqui em Brasília o escritor, diretor e roteirista de quadrinhos (entre outras aptidões) Jodorowsky fazer um paralelo maravilhoso entre futebol e tarô, a partir da coincidência entre o total de jogadores em campo e o número de cartas (arcanos maiores e menores) do tarô. Falou por uma meia hora, mas poderiam ter sido duas facilmente, dados a a fluência e o entusiasmo do cara em assuntos mil. E aí, topa o desafio?

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    1. Confesso que não captei a essência do seu pensamento: no que exatamente consiste o desafio? Falar do futebol como amálgama social, abordando outras facetas associadas direta ou indiretamente ao mundo da bola?

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    2. Sim, escapando um pouco do cotidiano desta tribuna, ainda que este seja composto basicamente de críticas pertinentes a aspectos escrotos do futebol hodierno.

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  4. João,

    é uma pena oque estão fazendo com nossa seleção....

    Há muito tempo que o torcedor em geral da mais importância ao clube que a seleção, talvez pela "certeza" que em toda Copa estaremos lá...futebo também é um grande negócio antes de mais nada, não é verdade???

    No geral, o futebol brasileiro precisa a se reeventar, ficamos para trás, precisamos a aprender a jogar futebol, esse futebol moderno que temos hoje, que vai desde uma grande administração ao ropeiro do clube. Por isso é que hoje é maias fácil torcer para o clube que a seleção.. por mais incrível que pareça ser.

    Aproveito para lhe propor nova parceria, agora com um blog onde só falo do time de coração, o Flamengo, cansei de ser colunista de outros blogs, rsrsrsr. Seu link já esta em minha lista de parceiros. Um abraço.

    BLOG DO CLEBER SOARES
    clebersoares.blogspot.com

    SOMOS FLAMENGO
    somosflamengo33.blogspot.com

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    1. Salve, Cleber! Parceria confirmada!

      Acho que não há dúvidas quanto à jurássica mentalidade de nossos dirigentes, razão pela qual vemos o sentimento de paixão que nutríamos pela seleção, simplesmente, evaporar.

      Boa sorte ao Mengão33!

      el D.T.

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  5. Eu devia ter fotografado a minha cara de tédio assistindo o 1º tempo do jogo...

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    1. Hahaha! Este sim, é o famoso "poker face"! Seleção sem emoção é flórida, mermão!

      Abração,

      El D.T.

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